09/05/2016

A vida em Technicolor

Vivo numa cidade bela, com um rio maravilhoso em que o céu azul se reflete e com escarpas de pedra cinzenta, agora na primavera pontilhadas de plantas verdes e flores coloridas. Mas quando se vive no centro, por entre casas degradadas e na rotina do “casa-trabalho/trabalho-casa”, é fácil esquecê-lo. Foi preciso um desafio para, num dia cansativo e aborrecido, reparar que ao cimo da rua ingreme que constitui o meu percurso diário a caminho de casa, há uma casa antiga em azulejo cor de laranja. Quem me conhece, sabe que é cor que abomino, mas naquele dia, naquele momento, aquela casa parecia-me um destino a alcançar, brilhante e colorida, animando o cinzento do dia e, estranhamente, o cinzento que tinha nesse dia cá dentro.
Porque, nesse dia, a minha cor interior condizia com o tempo. Mas neste período notei também que, embora um céu azul anime e um dia cinzento deprima, são apenas fatores colaterais na disposição geral. Ainda que uma manhã solarenga predisponha ao bom humor, e que um dia chuvoso faça apetecer voltar logo para a cama, a companhia certa faz também muita diferença.
Observei o azul profundo do céu limpo, quando já anoiteceu e já se vêm estrelas, um azul sereno que inspira sonhos e fantasias e que, pela sua beleza, lembra um manto de príncipe, transmitindo paz e confiança no amanhecer do dia seguinte.
Apreciei umas pequenas árvores, quase escondidas numa pequena praceta, ainda sem folhas, mas cheias de flores rosa pálido, tão discretas que quase passavam despercebidas, e também as árvores bem verdes de um jardim perto de casa, que me fez pensar porque não o aproveito mais vezes, na correria do dia a dia, já que tenho ali um ponto onde parar um pouco com serenidade. Mas serenidade obtenho também quando acaricio o pelo preto sedoso do meu gato mais mimalho, aquele que de tanta turrinha me faz entornar o chá por cima de mim e que tenta roer a caneta com que escrevo.
Concentrei-me também na beleza das diferentes cores de olhos. Os olhos das pessoas fascinam-me, aquelas janelinhas para a alma, diz o povo, mas para mim normalmente inescrutáveis. Todos os olhos são belos, quando nos olham com franqueza e amizade. Sejam olhos castanhos quase negros, cor de avelã, azuis brilhantes ou verdes claros, ou aqueles em que os laivos de verde numa base castanha nos deixam sem saber com que cor os classificar. Mas, seja qual for a cor, quando podemos olhar alguém nos olhos e não sentir nenhum tipo de desconforto, sabemos que temos ali um amigo.
Não podia concluir a minha incursão pela cor sem olhar para mim própria. Sem reparar que só uso apenas cores neutras quando estou aborrecida (ou com excesso de roupa por lavar), porque o meu habitual é usar cores vivas. E que, por essa minha paixão pela cor, ao entrar na minha loja de tricot favorita (http://loja.ovelha-negra.com/pt/), todos aqueles novelinhos coloridos me fazem sentir como uma criança numa loja de gomas, a desejar comprar tudo o que vejo. Porque a cor é de facto um aspeto que conta muito para mim e que afeta muito os meus estados de espírito. E precisei deste desafio para o notar.


O primeiro curso em que me inscrevi no Skillshare foi “Creative-Writing-for-All-A-10-Day-Journaling-Challenge”(https://www.skillshare.com/classes/writing/Creative-Writing-for-All-A-10-Day-Journaling-Challenge/1042474131?via=user-profile), em que o desafio é escrever pequenos textos ao longo de 10 dias começando por “hoje notei”. Depois duma tentativa falhada de cumprir com os 10 dias de escrita, percebi que, naqueles em que efetivamente tinha cumprido, dois temas saltavam à vista: assuntos muito pessoais e cor. Assim, decidi retomar o desafio centrando-me na cor. Este texto é baseado nesses pequenos apontamentos e é o primeiro de não ficção neste blogue.

Sem comentários:

Enviar um comentário