16/05/2016

Desajuste

Vista do exterior, Catarina era uma mulher perfeita e bem-sucedida.
Muito bonita, com os cabelos negros sempre impecavelmente esticados, bem maquilhada, com uma figura invejável envolta em roupa de boa qualidade que lhe assentava como uma luva. Um emprego de sucesso, com um cargo já de alguma importância para a sua idade, ainda arranjava tempo para a rotina do ginásio que a mantinha em forma.
Casamento de sonho, com um homem igualmente bonito e bem-sucedido, com uma casa sempre em ordem ao dispor das vistas, férias em locais elegantes de onde regressava bronzeada e ainda mais bela.
Mas Catarina não se sentia aquela pessoa que todos viam. Quando de manhã esticava o cabelo e aplicava a maquilhagem, era porque se sentia feia e achava que os cabelos desalinhados lhe ficavam mal e que sem a maquilhagem toda a gente notaria as imperfeições da pele, os lábios mais finos do que gostaria e a quase impercetível cicatriz no nariz que ela pensava ver-se a léguas.
A roupa impecável usava-a para dar o ar de executiva que necessitava para se sentir mais apta às responsabilidades e exigências do seu trabalho, sentindo que ninguém a levaria a sério se usasse um estilo mais casual.
O bom cargo conquistara-o com muitas horas de trabalho árduo e ainda assim sentia-se constantemente uma fraude, sempre à espera que alguém lhe apontasse falhas e erros, pelo que se esforçava cada vez mais. Ninguém sonhava que, na véspera de cada reunião, a serena e sempre competente Catarina tinha que recorrer a comprimidos para conseguir dormir.
Tal como ninguém sonhava que o casamento perfeito pouco mais era que um juntar de interesses, que o marido quase não lhe dava atenção ao chegar a casa, concentrando-se mais no computador e no futebol, mas esperava que ela estivesse sempre disponível e para os jantares com os clientes estrangeiros. E que constantemente era bombardeada pela sogra (e pela própria mãe) com a eterna pergunta sobre quando é que vinham os netinhos, quando Catarina não se sentia sequer capaz de tomar conta de si própria na maioria dos dias.

Quem a via de fora, pensava: Ali vai uma linda mulher, feliz e bem-sucedida. Mas o patamar de exigência consigo própria de Catarina era muito elevado e sentia-se feia, infeliz e um fracasso em muitas partes da sua vida. 

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