29/08/2016

Carta ao Avô

Querido Avô:
Tenho que confessar que me sinto um bocadinho intimidado por ti, por isso optei por escrever esta carta.
Tenho ouvido algumas histórias que o papá vai contando sobre ti, mas gostava mesmo muito que mas contasses tu, histórias da tua infância e juventude, que o papá só conhece de tas ouvir contar, histórias da infância do papá e dos tios, que eles decerto não recordam tão perfeitamente como tu.
Gostava também que falasses mais comigo, não só para me contares essas histórias, mas também para me ensinares coisas que sabes, porque eu acho que tu sabes muitas coisas boas e importantes, que eu já percebi que sabes, mas que não me dizes.
És um Avô muito sério, não estás sempre a brincar como o Avô Manel, que diz muitas tolices e se ri muito. Tu não, estás sempre com ar de quem tem todos os problemas do mundo para resolver (o papá diz que tens uma profissão muto importante e que do teu trabalho depende a vida de muita gente, mas precisava que que explicasses exatamente o que fazes. Sei que és juiz e por isso podes mandar pessoas para a prisão, mas não sei bem como isso funciona).
Sei que achas que sou muito cabeça no ar, que só gosto da bola e de desenhar e que não me esforço na escola (sim, ouvi-te dizer isso à mamã, que ficou muito zangada, apesar de muitas vezes me dizer o mesmo). Mas prometo que, se tirares uns bocadinhos do teu tempo tão ocupado para me falares de ti, da tua vida, do que querias ser quando crescesses (não era juiz, pois não?) estarei sossegado e muito, muito atento.
Porque gosto muito de ti, Avô, mas acho que não te conheço e gostava de conhecer.
O teu neto
João

22/08/2016

Carta a um vizinho

Estimado vizinho:
Espero que não leve a mal esta carta que tomo a liberdade de lhe escrever. Não nos conhecemos pessoalmente e também não ficará a saber quem sou (desculpe a cobardia), mas tinha que escrevê-la e acredite que tem as melhores intenções.
Cruzando-nos diariamente na vizinhança, foi impossível não me aperceber da sua reforma e de como passou a sair sempre com a esposa, para a mercearia, o café ou o talho. Notava-se bem a cumplicidade de longos anos de casamento.
Do mesmo modo, foi percetível a doença dela, a forma como a sua saúde se deteriorou com gravidade e como passou a ser o senhor a tratar de todos os pormenores da vida da casa. Via-se como, apesar das suas próprias limitações físicas, a acompanhava e ajudava sempre. E, claro, soube-se do triste, mas inevitável, desfecho, que o deixou com o ar cansado, abatido e triste, que mantém ainda hoje, cerca de dois anos volvidos.
Já pude perceber que é uma pessoa algo solitária, que não terá muitos amigos e, por isso, pouco sai de casa. Já percebi que tem filhos, no entanto creio que estes não se apercebem do seu isolamento e tristeza, porque junto deles vejo-o sempre com uma cara alegre que me parece mais fachada do que real felicidade.
É por isto que escrevo. Queria que soubesse que na zona há vários centros de dia, grupos recreativos e uma universidade sénior (a listagem está no verso desta folha, com moradas e contactos), onde poderá encontrar pessoas com quem conversar, falar dos eventos do dia a dia, da política e do futebol, recuperar alguma alegria de viver.
 E, se para nada mais servir esta carta, que sirva para saber que a sua vida toca a de outras pessoas e, por isso, não está sozinho no mundo.

17/08/2016

O tempo

O tempo é uma coisa curiosa. Tem uma medida exata – décadas, anos, meses, dias, horas, minutos – e, ao mesmo tempo, é inquantificável.
É inquantificável porque depende da perceção que temos dele. Sim, podemos dizer que uma hora é sempre uma hora, um dia é sempre um dia, mas é totalmente diferente a sensação de quanto dura uma hora ou um dia.
Uma hora parece um minuto quando lemos um bom livro, mas se estamos à espera de uma consulta que nos dirá se estamos gravemente doentes ou não, parece um ano. Um dia de férias é muito mais curto do que um dia de trabalho.
Enquanto somos crianças, as horas que passamos a brincar parecem minutos e nem percebemos porque está a mãe tão zangada – afinal de contas ainda agora saímos de casa! E ao mesmo tempo, a hora da aula parece não ter fim, o Natal nunca mais chega e falta uma eternidade para chegarmos aos tão desejados dezoito anos.
Depois começamos a trabalhar, a viver mais em rotinas, e enquanto pensamos que nunca mais chegam as férias, logo de seguida percebemos que o fim do ano está a chegar e que não sabemos como é que ainda ontem era janeiro e agora já é dezembro.
As décadas também nos atraiçoam. Até aos vinte os anos passam com calma. Dos vinte aos trinta já aceleram um pouco, e logo a seguir damos conta que estamos a fazer os quarenta, e rapidamente chegamos aos cinquenta e por aí adiante, e olhamos para trás e pensamos: “mas parece que foi há dias que fiz quarenta anos!”.
É esta relatividade que dá ao tempo o seu fascínio e torna algo que é medido de forma exata em algo que varia tanto. Porque a tua hora pode ser diferente da minha.

08/08/2016

Vida

Existo há vinte e sete anos, mas não sei se já comecei a viver.
Tantas e tantas vezes sinto que apenas existo, apenas ando neste mundo à procura do meu lugar, do meu espaço e das pessoas com quem começarei efetivamente a viver.
Por vezes, tenho lampejos de vida: quando me entusiasmo por um projeto, quando faço uma bela viagem ou quando me apaixono perdida e inevitavelmente pela pessoa errada, o que leva a que por uns tempos me sinta vivo, mas acabe por voltar à mera existência.
Tenho constantemente a sensação de me faltar uma centelha qualquer que é o que leva ao sentimento de estar vivo, algo que tenho que encontrar dentro de mim, sob pena de passar ao lado da vida e não por ela.
Sinto que tenho que encontrar essa centelha rapidamente, para não olhar para trás mais tarde e notar que a maior parte da minha vida não foi Vida.
E, no entanto, questiono-me também se não terei demasiadas ilusões sobre o que é viver. Se não estou de facto a viver, apesar de não ter encontrado ainda o grande amor da minha vida, de estar num emprego que não é aquele que sonhava, de ainda não ter conseguido fazer todas as viagens que quero.
Mas já amei e fui amado, já sofri por amor e por perdas, tenho amigos e família com quem me sinto feliz, com quem me divirto e passo bons momentos, tenho um emprego que me dá um modo de vida e oportunidade de crescer profissionalmente e ganhar experiência para outros voos, que talvez exijam mais coragem de mim, mas que estão ao meu alcance, ainda que me assustem.
Estou neste mundo há vinte e sete anos, talvez não tenha vivido a totalidade desses anos, mas já vivi muito.

01/08/2016

Miscelânea

Desinspiração
Por vários motivos, tenho andado particularmente desinspirada. O cansaço, o calor, alguns problemas roubam-me a inspiração, ao ponto de a participação no 31° Campeonato Nacional de Escrita Criativa ter sido algo custosa. No entanto, inscrevi-me logo no 32°, com esperança de ter mais ânimo.

Experiências novas
Ando numa fase em que quero experimentar coisas novas, diferentes. A semana passada fui a um evento sobre a época vitoriana na livraria Flaneur, onde estivemos um grupo pequenino mas agradável a aprender sobre a florigrafia e a fazer raminhos. Umas horas deliciosas, em que deu para abstrair do dia a dia.
Esta semana fui a um evento de "Mindfulness para todos", na casa de chá Casa Branca, no Porto. Mais uma vez um grupinho pequeno, mas agradável, onde aprendemos um pouquinho sobre este assunto tão em voga, mas de uma forma simples, didática, relaxante. Algo que gostaria de explorar mais um pouco.

Amizade
Os amigos são para as boas e más ocasiões. Mas a felicidade dos amigos é algo que nos traz uma alegria inexplicável, quase como se fosse connosco próprios.
Não compreendo as pessoas que invejam o bem dos outros (de forma maldosa, que às vezes um pouquinho de inveja é natural - mas no sentido de gostarmos do mesmo para nós e nunca desejar que o outro perca o que tem). Hoje tive uma dessas alegrias - acordei a achar que ia ser um dia feliz, só não sabia que seria por interposta pessoa. Mas foi feliz na mesma.

Pronto, acabo aqui o devaneio, para a semana volta a ficção.